sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Felicidade




Faltavam 3 minutos para as 4 da tarde. O calor corroía as têmporas dos transeuntes. Por todo lado viam-se pessoas esbaforidas e molhadas. O suor escorria intransigente pelos rostos, braços e cabelos. Uma tarde típica de verão. A cada passo a maleta de couro pesava e tendia a escorregar da mão de Antônio. "Chegarei atrasado com certeza" relfetiu o homem enquanto se esmeirava por entre as pessoas na calçada. Por pouco não consegue atravessar a avenida antes de fechar o sinal. Ali, parado, um tanto perplexo por esse incômodo atraso causado pelo acaso, esforçava por enxergar o semáforo que teimava em ficar no vermelho para os pedestres. Nesse tempo, com a mão esquerda tampava o sol sobre os olhos para visualizar melhor. Calor e claridade sufocavam a situação. Olhar para cima era difícil pela luminosidade da estrela maior. Por esse motivo baixou a guarda. Deitou o braço esquerdo junto ao corpo, entregando-se à inevitável espera. "Será que mostro primeiro as planilhas do prospecto financeiro ou do retrocesso econômico comparativo com o ano anterior" refletia vagamente seu cérebro. "É importante que demonstre segurança" continuava a divagar. Como demorava o sinal! Pareciam horas no deserto. Depois de uma buzinada na faixa da direita, quase em sua frente, percebeu que a gravata apertava, esganava seu pescoço. Ao folgá-la de leve, avistou dois meninos brincando ao seu lado, com o pai bem atrás. Olhou novamente o sinal, que permanecia inalterado, como se nunca houvesse sido diferente. Retomou a vista ao seu lado. Os meninos de roupas simples: camiseta, bermuda e tênis. O pai trajava o mesmo vestuário. A liberdade e frescor daqueles trajes fez aumentar o calor que sentia. O pior estava por vir. Enquanto novamente avistava em vão o semáforo, lentamente estacionava entre os partícipes dessa cena um carrinho de sorvetes. "A moderação dos investidores sem dúvida influenciou negativamente as tendências de crescimento" tentava concentrar o pobre Antônio. O pai então com poucas palavras e por meio de algum dinheiro fez o dono do carrinho retirar três picolés do interior do mesmo: dois de côco e um de limão. "Como gosto de picolé de côco", concluía em pensamentos Antônio. Foi quando , de súbito, percebeu-se um movimento coordenado das pessoas em direção à rua. O sinal abriu. Antônio não pensou duas vezes, virou-se, sacou sua carteira e pediu um picolé de côco ao dono do carrinho. Não era de marca conhecida, o que não pôde concluir a princípio, pois avidamente, com uma habilidade que ao menos esquecera que detinha, abriu a embalagem e abocanhou vorazmente o primeiro pedaço. Uma gélida, fresca e saciante sensação era-lhe arremeçada de um lado para o outro no interior de sua boca. Felicidade. O sinal fechou.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Café da manhã


Um menino vai à padaria comprar pão, conforme pediu sua mãe. O dinheiro é certo, trocado, para comprar 5 pães e um litro de leite. Ele sai à rua. Nuvens negras o acompanham do alto. Olha para um lado e depois para o outro, como sua mãe lhe ensinou. A rua está vazia. Claro, ainda são 6 da manhã. Então, ele segue seu caminho. "Não posso demorar, tenho que ir pro colégio ainda". Segue a passos largos pela calçada deserta. A padaria ficava a poucos quarteirões de seu prédio. Entre um passo e outro o menino viaja para longe, seus pensamentos o levam a lugares incríveis. A padaria chega quando menos se espera. Estranho, está fechada. Um aviso indica algo na porta: só abriremos às 7 horas hoje. Aquela constatação desnorteia o garoto por instantes. Ele corre o olhar várias vezes de um lado para o outro diante da porta do estabelecimento. Procurava uma brecha, alguma fenda em que pudesse infiltrar e tornar concreta sua missão. Depois de alguns instantes, confirma a veracidade do aviso. "Sem café da manhã hoje", reflete o mesmo, já apertando os passos ao lembrar do colégio.

domingo, 23 de agosto de 2009

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Urbanos




Estranhas coisas acontecem quando estamos na rua. Hoje é difícil as pessoas caminharem pela rua. As distâncias são muito grandes, o tempo é escasso, ou mesmo não queremos "perder" tempo andando, sendo que temos tanto a fazer: ver tv, entrar na internet, malhar etc. Mas, andar pela cidade é fascinante! Estamos perdendo o contato com a cidade propriamente dita. Atrás dos vidros fechados dos carros, ônibus e metrôs não podemos ver com calma aquela calçada com piso de tijolos, o detalhe do olho do skatista no grafite do muro, aquela lojinha de pássaros que fica do lado da farmácia que você nem sabia que existia, e pensava "aqui não tinha um fliperama?". É, nossa memória urbana se esvai tão rápido quanto uma conexão de banda larga às 3h da manhã de uma terça-feira. É preciso sentir a cidade, por pior que possa parecer. Sabemos que ela é desonesta, injusta, fedorenta, caótica. Em nada parece com uma Grécia antiga, uma antiga cidade asteca, ou mesmo a bela Roma do Império que transparecem para nós como lugares belíssimos e atraentes. São outros tempos, mas são nossos tempos. Vivemos aqui, nessas ruas sujas e esburacadas, nessas esquinas inseguras e perigosas, na mistura asfixiante de asfalto, concreto, sangue e suor. E temos que viver esse momento. Temos que andar por aí, conhecer nosso bairro, nossas calçadas, nossas pequenas cidadezinhas perdidas no mapa. Temos que conversar com pessoas, conversar com estranhos. Saber quem são aqueles que vivem no mesmo tempo que nós mesmos. Quem são eles? E aí, quem somos nós?

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Funcionário do mês




Uma coisa sempre me intrigou nas minhas andanças mundanas. Essa semana, num desses momentos "fast food" da minha vida, que confesso, pretendo abandonar, por conta de todos os colesteróis, gorduras trans e BLA BLA BLA, fiz um pedido de uma dessas bombas calóricas. Enquanto esperava ansioso a deliciosa tentação da vida moderna fiquei observando a vida do outro lado do balcão. Na verdade, já havia feito essa análise em outro momento, mas aproveitei pra refletir mais um pouco. Não vejo um mundo muito belo atrás daquele balcão. É um corre-corre desenfreado, e todo aquele calor aquelas máscaras, o suor. Realmente o pessoal dá um duro danado, durante várias horas por dia, sem sabermos se de fato descansam. E uma coisa interessante nisso tudo é a tal placa funcionário do mês. Acho fantástico! Primeiro porque é uma exploração da sua imagem, tipo é uma exposição do melhor espécime, digamos assim. Como nos tempos remotos da escravidão em que o senhor saía para feira para avaliar os melhores escravos e vinha um dono de escravos anunciando: aquele ali da foto é mais caro. Ele é forte, trabalha muito e tem bons dentes. Segundo, porque não acredito muito que a pessoa se esforce pra querer ocupar esse posto. Bem, não posso dizer isso. As coisas andam difíceis, ainda mais em terra brasilis, então o povo tem que saber rebolar e se sujeita a qualquer coisa se isso for pra sua "recolocação profissional". E pelo que vejo, há uma certa cobrança dos senhores, digo dos chefes, pra que se alcancem metas, desempenho, enfim lucros a qualquer custo, e isso quer dizer que todos têm que se espelhar no dito funcionário do mês. E aquele que não almeja isso estará fadado a periferia do bravo novo mundo de competição e carnificina. Não tem garra, volte pra barriga da sua mãe, meu caro! Aqui é Sparta, aos fracos só resta o cemitério prematuro! Mas, se pensarmos num mundo perfeito, leia-se sem dinheiro, ou melhor, no mais profundo da mente humana, onde pensar e sonhar ainda é permitido, continuo achando difícil alguém querer de fato ter sua foto e seu nome nessa placa. Fica uma lição pras próximas gerações, quando a arqueologia, ou mesmo alguém puder voltar no tempo e se deparar com tal ritual. Qual seria a perplexidade dos contemporâneos desse viajante do tempo quando voltar para sua era e contar que viu os primitivos seres humanos lutando para sobreviver no selvagem e extinto modo de vida chamado capitalismo, e tendo que se submeter a essa espécie de exploração.




Saudações ao homem do século LXII... bem, se ainda existir algum ser humano pra contar a história.

sábado, 1 de agosto de 2009

Conselhos iniciais

Ao homem médio comum:

1- Não se sacrifique pelas causas ditas extraordinárias, isso não se ajusta a você. Não é sua atribuição tal façanha. Atenha-se ao que seus pés sentem sob ti.

2- Faça três refeições, escove os dentes após cada uma, e tenha uma boa alimentação.

3- Trabalhe, pois "o trabalho dignifica o homem". E não desobedeça seus patrões, são sábios que detêm o conhecimento para o desenvolvimento da humanidade.

4- Não se importe com as horas-extras exigidas no trabalho. Encare como um esforço para o bem da humanidade. Lembre-se: somos como engrenagens de uma grande máquina de dinheiro.

5- O lazer é um luxo desnecessário.

6- Sonhos só existem quando se está dormindo. Quando acordado deve estar de pés firmes no chão e sadio pra encarar com alegria mais um dia de trabalho.

7- Tenha filhos. E crie-os na dignidade e na concepção de seus deveres perante a sociedade.

8- Não reclame da sua situação. Ela poderia ser pior.

9- Não pense de forma diferente. Se algo é de um jeito é porque alguém já considerou todas as possibilidades e não tem razão para ser diferente. Não se distraia com isso.

10- Não se rebele contra a ordem das coisas. O caos é prejudicial e pode nos levar ao fim.


Bem-vindo ao mundo moderno, homem médio comum